Este texto foi produzido por uma amiga minha para um portfolio que tivemos que construir para a cadeira de Produção de Português Escrito...
Leiam...
VALE A PENA...
Acordei com um sorriso estúpido na cara. Voltara a ter o mesmo sonho, voltara a sonhar com aquele dia.
Apesar de ter acontecido há anos atrás, ainda me lembro de tudo o que se passou, todas as sensações, todos os pensamentos, tudo (ou quase tudo), como se tivesse sido ontem.
Sem dar por isso, a minha mente começava a divagar. Começava a recordar, novamente, aquele dia, quando fui interrompida.
- Do que te ris?
- Estava a lembrar-me de uma história.
- Que história?
- Queres que te conte?
Ele limitou-se a acenar com a cabeça.
- Não posso dizer que foi um dia diferente, que foi um dia como nunca tive, porque não foi. Não foi um dia particularmente divertido, nem triste, nem um dia de sorte ou de azar. Foi um dia completamente normal, mais um dia na minha vida.
“Era um dia soalheiro como muitos outros, nada indicava que algo de novo ia acontecer. Como sempre, adormeci ou, como eu gostava de dizer, o despertador não tocou. É de referir que, na altura, eu era a personificação daquele ditado: “Quanto mais depressa, mais devagar”, eu era, e ainda sou, uma pessoa que só “funciona” se for tudo feito com muita calma, tudo muito devagarinho se não, corre mal. Tentei arranjar-me o mais depressa que consegui mas, como de costume, resultou em asneira: entornei café em cima das calças e, com a pressa de ir ao armário buscar outras, tropecei, caí e rasguei a camisola; após várias tentativas (falhadas) consegui, finalmente, sair de casa, fechei a porta mas, quando a ia trancar, percebi que tinha deixado as chaves em cima da mesa da entrada. Desisti, não tinha tempo de as ir buscar, quando voltasse entrava pela janela e rezava para que os vizinhos não pensassem que estava a assaltar a minha própria casa, como da última vez.
Mentalizei-me de que, se corresse, ainda conseguiria apanhar o autocarro e chegar a horas aceitáveis. Quão ingénua fui. Corri o mais que consegui, mas quando estava quase a chegar à paragem, vi o autocarro a arrancar. Não era a primeira vez que isto me acontecia, era de esperar que já estivesse mentalizada, que já me tivesse habituado a ver o autocarro a arrancar sem mim, mas não, era sempre frustrante, sempre. Resignei-me e sentei-me a ler à espera do próximo. Ia chegar, outra vez, atrasada, tinha de ir assistir a uma reunião e ia chegar atrasada, se chegasse.
Escusado será dizer que a reunião já tinha começado (há um bom bocado) quando, finalmente, cheguei. Mesmo assim decidi entrar e esforcei-me por manter os olhos abertos até ao fim, a sério que tentei…foi uma bela sesta depois de toda aquela correria matinal. Na verdade, agora que penso nisso, deve ser a única coisa que não me lembro desse dia: o que se falou na reunião, sei que me sentei, reparei que a sala estava quase cheia, sou capaz de ter ouvido uma palavrinha ou duas e depois acordei quando as minhas colegas me sacudiram…e a sala estava vazia. Tudo o que se passou entretanto é um grande ponto de interrogação.
Decidimos ir almoçar à cantina, comer “comida a sério”. A distância da faculdade à cantina era de cinco minutos, mas nesses míseros cinco minutos de distância, consegui perder uma nota de 10€. Lembro-me de a meter no bolso quando saímos da sala e lembro-me de não a encontrar para pagar o almoço, cinco minutos depois. Como eu consegui a proeza nunca cheguei a perceber. Adiante, foi um almoço como muitos outros que tivemos: comi bifanas com arroz e molho de sumo de laranja com um certo travo a chá preto; não tive direito a sobremesa, achei que as formigas mereciam um miminho e deixei cair o pudim no chão, afinal, as formigas são seres vivos, porque não estimá-las?
E, claro, o meu dia não estaria completo, não seria um dia tipicamente meu, sem eu esbarrar com alguém (que tivesse o atrevimento de estar a viver a sua vida) ou contra alguma coisa (que se limitasse a ter sido posta naquele sítio). Portanto, quando voltávamos para a faculdade, naqueles cinco malditos minutos de distância entre a cantina e a faculdade, enquanto tentava mandar uma mensagem à minha mãe, não reparei no candeeiro de rua que se atravessou, bruscamente, no meu caminho e fui contra ele. Ainda hoje, anos depois de acontecer, ninguém me tira da cabeça que o candeeiro fez de propósito. Enfim, ainda me lembro das gargalhadas que esse “encontro” provocou e, principalmente, da dor de cabeça, parece que ainda a sinto.
Achei que as aulas nesse dia estavam a custar mais a passar. Parecia que o relógio não avançava e se avançava era muito devagarinho, muito mesmo. Tinha combinado encontrar-me com uma amiga e estava mortinha por sair dali, mas as horas não queriam andar.
Assim que me apanhei fora da sala, corri o mais que pude na esperança vã de ainda conseguir apanhar o autocarro. Não consegui por duas razões: primeiro, porque era humanamente impossível, já estava na hora dele sair e eu ainda nem perto estava da paragem; e segundo, porque, com aquela pressa toda, esbarrei com alguém no corredor, ainda nem tinha saído da faculdade. Duas vezes num dia. Levantei-me atabalhoadamente e encarei a pessoa, pronta para ouvir um grande sermão enquanto me desmanchava em desculpas. Isso não aconteceu. Pedi desculpa, mas a pessoa (a quem havia arruinado um par de calças) não pareceu chateada, na verdade, fez-me um sorriso enorme, um daqueles sorrisos que só as “pessoas felizes” sabem fazer.
Agora, pensando bem no que se passou, apercebo-me de que, se na altura, eu tivesse reparado nos pequenos pormenores, naquelas pequenas coisas que nos passam despercebidas na altura, que só mais tarde fazem sentido, se eu estivesse mais atenta, teria reparado que algo estava diferente. Naquele momento, algo mudou.”
- Então? Já acabaste?
- Já, o resto não interessa, porque todo o dia se resume naquele momento apenas.
Ele riu-se:
- Não sei como é que sobreviveste a um dia assim. Só azar…
- Sabes, apesar de todos os azares que me aconteceram nesse dia, não mudaria nada. Não arriscaria mudar nada. Se tivesse que voltar a viver aquele dia, faria tudo na mesma.
- Nada? Então porquê?
- Nada. Porque aquele foi o dia em que te conheci.
Apesar de ter acontecido há anos atrás, ainda me lembro de tudo o que se passou, todas as sensações, todos os pensamentos, tudo (ou quase tudo), como se tivesse sido ontem.
Sem dar por isso, a minha mente começava a divagar. Começava a recordar, novamente, aquele dia, quando fui interrompida.
- Do que te ris?
- Estava a lembrar-me de uma história.
- Que história?
- Queres que te conte?
Ele limitou-se a acenar com a cabeça.
- Não posso dizer que foi um dia diferente, que foi um dia como nunca tive, porque não foi. Não foi um dia particularmente divertido, nem triste, nem um dia de sorte ou de azar. Foi um dia completamente normal, mais um dia na minha vida.
“Era um dia soalheiro como muitos outros, nada indicava que algo de novo ia acontecer. Como sempre, adormeci ou, como eu gostava de dizer, o despertador não tocou. É de referir que, na altura, eu era a personificação daquele ditado: “Quanto mais depressa, mais devagar”, eu era, e ainda sou, uma pessoa que só “funciona” se for tudo feito com muita calma, tudo muito devagarinho se não, corre mal. Tentei arranjar-me o mais depressa que consegui mas, como de costume, resultou em asneira: entornei café em cima das calças e, com a pressa de ir ao armário buscar outras, tropecei, caí e rasguei a camisola; após várias tentativas (falhadas) consegui, finalmente, sair de casa, fechei a porta mas, quando a ia trancar, percebi que tinha deixado as chaves em cima da mesa da entrada. Desisti, não tinha tempo de as ir buscar, quando voltasse entrava pela janela e rezava para que os vizinhos não pensassem que estava a assaltar a minha própria casa, como da última vez.
Mentalizei-me de que, se corresse, ainda conseguiria apanhar o autocarro e chegar a horas aceitáveis. Quão ingénua fui. Corri o mais que consegui, mas quando estava quase a chegar à paragem, vi o autocarro a arrancar. Não era a primeira vez que isto me acontecia, era de esperar que já estivesse mentalizada, que já me tivesse habituado a ver o autocarro a arrancar sem mim, mas não, era sempre frustrante, sempre. Resignei-me e sentei-me a ler à espera do próximo. Ia chegar, outra vez, atrasada, tinha de ir assistir a uma reunião e ia chegar atrasada, se chegasse.
Escusado será dizer que a reunião já tinha começado (há um bom bocado) quando, finalmente, cheguei. Mesmo assim decidi entrar e esforcei-me por manter os olhos abertos até ao fim, a sério que tentei…foi uma bela sesta depois de toda aquela correria matinal. Na verdade, agora que penso nisso, deve ser a única coisa que não me lembro desse dia: o que se falou na reunião, sei que me sentei, reparei que a sala estava quase cheia, sou capaz de ter ouvido uma palavrinha ou duas e depois acordei quando as minhas colegas me sacudiram…e a sala estava vazia. Tudo o que se passou entretanto é um grande ponto de interrogação.
Decidimos ir almoçar à cantina, comer “comida a sério”. A distância da faculdade à cantina era de cinco minutos, mas nesses míseros cinco minutos de distância, consegui perder uma nota de 10€. Lembro-me de a meter no bolso quando saímos da sala e lembro-me de não a encontrar para pagar o almoço, cinco minutos depois. Como eu consegui a proeza nunca cheguei a perceber. Adiante, foi um almoço como muitos outros que tivemos: comi bifanas com arroz e molho de sumo de laranja com um certo travo a chá preto; não tive direito a sobremesa, achei que as formigas mereciam um miminho e deixei cair o pudim no chão, afinal, as formigas são seres vivos, porque não estimá-las?
E, claro, o meu dia não estaria completo, não seria um dia tipicamente meu, sem eu esbarrar com alguém (que tivesse o atrevimento de estar a viver a sua vida) ou contra alguma coisa (que se limitasse a ter sido posta naquele sítio). Portanto, quando voltávamos para a faculdade, naqueles cinco malditos minutos de distância entre a cantina e a faculdade, enquanto tentava mandar uma mensagem à minha mãe, não reparei no candeeiro de rua que se atravessou, bruscamente, no meu caminho e fui contra ele. Ainda hoje, anos depois de acontecer, ninguém me tira da cabeça que o candeeiro fez de propósito. Enfim, ainda me lembro das gargalhadas que esse “encontro” provocou e, principalmente, da dor de cabeça, parece que ainda a sinto.
Achei que as aulas nesse dia estavam a custar mais a passar. Parecia que o relógio não avançava e se avançava era muito devagarinho, muito mesmo. Tinha combinado encontrar-me com uma amiga e estava mortinha por sair dali, mas as horas não queriam andar.
Assim que me apanhei fora da sala, corri o mais que pude na esperança vã de ainda conseguir apanhar o autocarro. Não consegui por duas razões: primeiro, porque era humanamente impossível, já estava na hora dele sair e eu ainda nem perto estava da paragem; e segundo, porque, com aquela pressa toda, esbarrei com alguém no corredor, ainda nem tinha saído da faculdade. Duas vezes num dia. Levantei-me atabalhoadamente e encarei a pessoa, pronta para ouvir um grande sermão enquanto me desmanchava em desculpas. Isso não aconteceu. Pedi desculpa, mas a pessoa (a quem havia arruinado um par de calças) não pareceu chateada, na verdade, fez-me um sorriso enorme, um daqueles sorrisos que só as “pessoas felizes” sabem fazer.
Agora, pensando bem no que se passou, apercebo-me de que, se na altura, eu tivesse reparado nos pequenos pormenores, naquelas pequenas coisas que nos passam despercebidas na altura, que só mais tarde fazem sentido, se eu estivesse mais atenta, teria reparado que algo estava diferente. Naquele momento, algo mudou.”
- Então? Já acabaste?
- Já, o resto não interessa, porque todo o dia se resume naquele momento apenas.
Ele riu-se:
- Não sei como é que sobreviveste a um dia assim. Só azar…
- Sabes, apesar de todos os azares que me aconteceram nesse dia, não mudaria nada. Não arriscaria mudar nada. Se tivesse que voltar a viver aquele dia, faria tudo na mesma.
- Nada? Então porquê?
- Nada. Porque aquele foi o dia em que te conheci.
Estiveste muito bem, Inês :)
1 comentário:
Absolutamente genial! =)
Ana *
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